DeMoura



DeMoura é o nome literário de Mário Mendes de Moura, editor durante sessenta anos no Brasil ( Fundo de Cultura, Páginas, Vértice, etc.), em Espanha ( PluralSingular) e Portugal ( Pergaminho, Arte Plural, Bico de Pena e Vogais & Companhia). Em 2014 lança a sua mais recente editora, a 4 Estações.
A partir de 2013 dedica-se à escrita. "O Contador de Estórias" e o "Escultor de Almas", são os primeiros títulos publicados na coleção Estação Primavera e na 4 Estações Editora.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

OS GIRASSÓIS DE VAN GOGH

16- OS GIRASSÓIS DE VAN GOGH
  Como haviam divulgado, o Museu Van Gogh expõe mais obras dele, inclusive do período inicial, aliás muito sombrias, nem parecem pintadas por ele, mas não assim tantas mais do que anteriormente. A realidade é que não há assim tantos quadros de van Gogh, e o Prado, d’Orsay e tantos outros museus estão recheados de telas de Vincent van Gogh. Para compensar muitos quadros de outros conhecidos impressionistas. O certo é que Vincent (assinava assim muitas vezes) pintou não muitos quadros, talvez apenas três ou quatro centenas (não tenho essa informação) e em toda a sua vida só vendeu um quadro, O Vinhedo Vermelho, por uma bagatela. Vincent nunca foi autossuficiente, nunca casou, nunca foi feliz, um permanente fracasso. Foi professor, pregador, mineiro, mas viveu sempre com o apoio financeiro do seu irmão Theo, com o qual trocou uma correspondência muito interessante sob todos os pontos de vista, a pintura em especial. Por incrível que pareça, van Gogh viveu apenas 37 anos (1853-1890) e só começou a pintar aos 29 anos (em 1982), ou seja, só pintou durante oito anos, principalmente nos últimos três.
   Contudo, em 1884/85, ainda em casa dos pais, em pouco mais de um ano de prática obsessiva, alcança uma nova forma do tratamento da cor. O seu triunfo deve-se à tonalidade das cores e por criar uma separação entre a cor no quadro e a cor do objeto, criando a autonomia da cor. Ou seja, consiste em abafar a cor do objeto a favor da cor do fundo em variadas e fortes tonalidades. Neste período pinta quatro telas notáveis: o célebre e pungente Os comedores de batatas, o inovador Tecelão no tear, Busto duma camponesa com touca branca, um belo exemplo do seu cânone de beleza, e Natureza morta com Bíblia, uma clara rutura com o seu passado pessoal.
  Mais tarde, em Paris (1886/87) convive com muitos outros pintores e aprende muito. Os seus quadros revelam mais maturidade, entre os quais se destacam a melancólica Mulher sentada no ‘Café du Tambourin’,  Montmartre perto do moinho de cima e várias naturezas mortas onde ele abraça decididamente a arte japonesa. Gosto muito especialmente do Retrato de Père Tanguy, em que o modelo era o comerciante chinês de tintas baratas que ele usava.
  Em Arles (1988/89), dá-se a explosão da cor. Não são só os emblemáticos girassóis, mas também as paisagens a plena cor que nos envolvem como se estivéssemos a olhá-las numa manhã de primavera, e ainda extraordinários retratos de pessoas do povo, como em A arlesiana, O carteiro Joseph Roulin, O zuavo Milliet e La Mousmé. Instalado na Casa Amarela (cor com que ele a pintou), apresenta-a em vários quadros, assim como o seu quarto, como no emblemático O quarto em Arles, e as tão conhecidas cadeiras de palha com cachimbo (a dele e a de Gauguin). Nesse período ainda pinta o confrangedor Autorretrato com orelha ligada e o tecnicamente arrojado Exterior de café, à noite, na Place du Forum, em Arles.
  Depois é o asilo em Saint-Rémy (1889) de onde surgem os notáveis Seara com ciprestes,  Caminho de ciprestes sob o céu estrelado, O olival e A noite estrelada, que só por si notabilizariam van Gogh, em especial o último. E, como se não bastasse, ainda o viril e tenso pintor no seu último Autorretrato e um espantoso, pela cor, A sesta.
 A seguir, em Anvers (1989/90) pinta A igreja de Auvers, puro sofrimento e angústia em cor, e um remate fantástico à sua carreira de pintor, como que uma cena mestre de um filme de Hitchcock, Campo de trigo com corvos, o definitivo adeus à sua arte e à sua vida.
Vincent van Gogh teve como amigos grandes pintores e com eles aprendeu: Monet, Renoir, Pissarro, Degas, Seurat e Gauguin. Por ciúme deste, corta a sua própria orelha e oferece-a a uma putinha. Alucinado pelo absinto, em que Toulouse-Lautrec o viciara, suicida-se desesperado pela precariedade da sua vida e da sua carreira de pintor. E, contudo, van Gogh é hoje o pintor mundialmente mais conhecido. No imaginário popular, van Gogh é o melhor pintor de todos os tempos e os seus girassóis a sua marca, assim como as cores fortes e envolventes, o vermelho, o amarelo, o roxo… cores estas que infelizmente estão esbatendo pela má qualidade do pigmento.
A Mona Lisa, como quadro, e apenas como quadro, supera van Gogh em fama, mas experimente perguntar aos que estão na longa fila no Louvre quem é o pintor, e ficará surpreendido.
   Toda a sua obra é de uma lucidez e audácia ímpares na história da pintura. A sua pintura é à vez cerebral e emocional, os seus quadros expressam a solidão, a angústia, o medo da vida, o desprezo pelo convencionalismo, mas sempre uma contínua busca do belo através da cor, tão bem conseguida.
 Para muitos um louco, um marginalizado, mas ele na realidade foi um pioneiro e um génio incompreendido no seu tempo. Todos os seus quadros estão empastados do seu sangue e das suas dores, será essa a empatia que desperta em todos nós. Paz à sua alma!
  Milhões de pessoas foram nas últimas décadas, vão nos dias de hoje, irão no futuro, a Amesterdão para ver o Museu Van Gogh. Milhões de dólares enriqueceram, enriquecem e enriquecerão os cofres da cidade. Há cem anos que galeristas e colecionadores ganham milhões com a compra e venda dos quadros deste luminoso e infeliz artista, que morreu na miséria.
                                                      
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