16- OS GIRASSÓIS DE VAN GOGH
Como haviam divulgado,
o Museu Van Gogh expõe mais obras dele, inclusive do período inicial, aliás muito
sombrias, nem parecem pintadas por ele, mas não assim tantas mais do que
anteriormente. A realidade é que não há assim tantos quadros de van Gogh, e o
Prado, d’Orsay e tantos outros museus estão recheados de telas de Vincent van
Gogh. Para compensar muitos quadros de outros conhecidos impressionistas. O
certo é que Vincent (assinava assim muitas vezes) pintou não muitos quadros,
talvez apenas três ou quatro centenas (não tenho essa informação) e em toda a
sua vida só vendeu um quadro, O Vinhedo
Vermelho, por uma bagatela. Vincent nunca foi autossuficiente, nunca casou,
nunca foi feliz, um permanente fracasso. Foi professor, pregador, mineiro, mas
viveu sempre com o apoio financeiro do seu irmão Theo, com o qual trocou uma
correspondência muito interessante sob todos os pontos de vista, a pintura em
especial. Por incrível que pareça, van Gogh viveu apenas 37 anos (1853-1890) e
só começou a pintar aos 29 anos (em 1982), ou seja, só pintou durante oito
anos, principalmente nos últimos três.
Contudo, em 1884/85,
ainda em casa dos pais, em pouco mais de um ano de prática obsessiva, alcança
uma nova forma do tratamento da cor. O seu triunfo deve-se à tonalidade das
cores e por criar uma separação entre a cor no quadro e a cor do objeto,
criando a autonomia da cor. Ou seja, consiste em abafar a cor do objeto a favor
da cor do fundo em variadas e fortes tonalidades. Neste período pinta quatro
telas notáveis: o célebre e pungente Os
comedores de batatas, o inovador Tecelão
no tear, Busto duma camponesa com
touca branca, um belo exemplo do seu cânone de beleza, e Natureza morta com Bíblia, uma clara rutura
com o seu passado pessoal.
Mais tarde, em Paris
(1886/87) convive com muitos outros pintores e aprende muito. Os seus quadros
revelam mais maturidade, entre os quais se destacam a melancólica Mulher sentada no ‘Café du Tambourin’, Montmartre
perto do moinho de cima e várias naturezas mortas onde ele abraça
decididamente a arte japonesa. Gosto muito especialmente do Retrato de Père Tanguy, em que o modelo
era o comerciante chinês de tintas baratas que ele usava.
Em Arles (1988/89), dá-se
a explosão da cor. Não são só os emblemáticos girassóis, mas também as
paisagens a plena cor que nos envolvem como se estivéssemos a olhá-las numa
manhã de primavera, e ainda extraordinários retratos de pessoas do povo, como
em A arlesiana, O carteiro Joseph Roulin, O
zuavo Milliet e La Mousmé. Instalado
na Casa Amarela (cor com que ele a pintou), apresenta-a em vários quadros,
assim como o seu quarto, como no emblemático O quarto em Arles, e as tão conhecidas cadeiras de palha com
cachimbo (a dele e a de Gauguin). Nesse período ainda pinta o confrangedor Autorretrato com orelha ligada e o
tecnicamente arrojado Exterior de café, à
noite, na Place du Forum, em Arles.
Depois é o asilo em
Saint-Rémy (1889) de onde surgem os notáveis Seara com ciprestes, Caminho de ciprestes sob o céu estrelado,
O olival e A noite estrelada, que só por si notabilizariam van Gogh, em
especial o último. E, como se não bastasse, ainda o viril e tenso pintor no seu
último Autorretrato e um espantoso,
pela cor, A sesta.
A seguir, em Anvers
(1989/90) pinta A igreja de Auvers,
puro sofrimento e angústia em cor, e um remate fantástico à sua carreira de
pintor, como que uma cena mestre de um filme de Hitchcock, Campo de trigo com corvos, o definitivo adeus à sua arte e à sua
vida.
Vincent van Gogh teve como amigos grandes pintores e com eles
aprendeu: Monet, Renoir, Pissarro, Degas, Seurat e Gauguin. Por ciúme deste,
corta a sua própria orelha e oferece-a a uma putinha. Alucinado pelo absinto,
em que Toulouse-Lautrec o viciara, suicida-se desesperado pela precariedade da
sua vida e da sua carreira de pintor. E, contudo, van Gogh é hoje o pintor
mundialmente mais conhecido. No imaginário popular, van Gogh é o melhor pintor
de todos os tempos e os seus girassóis a sua marca, assim como as cores fortes
e envolventes, o vermelho, o amarelo, o roxo… cores estas que infelizmente
estão esbatendo pela má qualidade do pigmento.
A Mona Lisa, como
quadro, e apenas como quadro, supera van Gogh em fama, mas experimente
perguntar aos que estão na longa fila no Louvre quem é o pintor, e ficará
surpreendido.
Toda a sua obra é de
uma lucidez e audácia ímpares na história da pintura. A sua pintura é à vez
cerebral e emocional, os seus quadros expressam a solidão, a angústia, o medo
da vida, o desprezo pelo convencionalismo, mas sempre uma contínua busca do
belo através da cor, tão bem conseguida.
Para muitos um louco,
um marginalizado, mas ele na realidade foi um pioneiro e um génio
incompreendido no seu tempo. Todos os seus quadros estão empastados do seu
sangue e das suas dores, será essa a empatia que desperta em todos nós. Paz à
sua alma!
Milhões de pessoas foram
nas últimas décadas, vão nos dias de hoje, irão no futuro, a Amesterdão para
ver o Museu Van Gogh. Milhões de dólares enriqueceram, enriquecem e
enriquecerão os cofres da cidade. Há cem anos que galeristas e colecionadores
ganham milhões com a compra e venda dos quadros deste luminoso e infeliz
artista, que morreu na miséria.
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