DeMoura



DeMoura é o nome literário de Mário Mendes de Moura, editor durante sessenta anos no Brasil ( Fundo de Cultura, Páginas, Vértice, etc.), em Espanha ( PluralSingular) e Portugal ( Pergaminho, Arte Plural, Bico de Pena e Vogais & Companhia). Em 2014 lança a sua mais recente editora, a 4 Estações.
A partir de 2013 dedica-se à escrita. "O Contador de Estórias" e o "Escultor de Almas", são os primeiros títulos publicados na coleção Estação Primavera e na 4 Estações Editora.

domingo, 5 de outubro de 2014

O Roxo dos Jacarandás

5-O ROXO DOS JACARANDÁS
  Quando em abril do ano passado enviei a edição digital da minha primeira novela, O Roxo dos Jacarandás, para os meus amigos e familiares, tive algumas surpresas e muita indecisão. Surpreendi-me porque muitos dos que o receberam, leram realmente o livro e, bastantes, declararam ter gostado e lido com prazer. Ao enviar alguns desses exemplares não esperava que fossem lidos, mas não podia deixar de os remeter por uma questão de cortesia. Quanto ao elogiarem, evidentemente que era uma opinião ‘suspeita’ para mim,  devido aos laços que nos unem, claro, não que estivessem deliberadamente a mentir, mas porque,  sendo um texto escrito por mim,  era lido com benevolência.
 Escrevi esse romance em dois meses, não o deixei amadurecer, nem o revi cuidadosamente, portanto não esperava tão calorosa recetividade. Não, não tem a profundidade de um Joyce, e talvez isso tenha ajudado ao agrado. Em geral, também agradou muito o facto de a novela acabar com quatro finais diferentes, pois como durante a leitura o final era previsto com facilidade, decidi trocar as voltas ao leitor.
 Nunca mais reli essa novela e agora, mais de um ano depois, lembro pouco dela e tenho dificuldade em avaliá-la. Talvez um dia a releia, a amplie, a modifique, ou seja, tente melhorá-la. Só então decidirei se a publico e a coloco nas livrarias.
 Também me surpreendeu muito descobrir que a maior parte dos lisboetas não sabem o nome dos jacarandás que tanto embelezam Lisboa, na primavera.
  Mas acabada essa novela, escrita sem muita determinação, eu perguntava a mim mesmo: porque é que em vez de continuar, como sempre, a leitura de tantos autores que adoro, e outros que ainda penso conhecer, deveria continuar a escrever? Sabendo, como muito bem sei, que já não tenho tempo de vida suficiente para criar leitores. Um escritor leva o seu tempo, maior ou menor, a conquistar o seu público.
 Claro não estamos a falar dos autores lançados com uma gigantesca operação de marketing e, que muitas vezes, nem são escritos pelo que aparece como autor. Hoje é muito mais difícil para um escritor português conseguir emergir no mercado nacional, perante a enxurrada de lançamentos de títulos que chegam todos os dias às nossas livrarias, impulsionados por sucesso em outros mercados, de autores de todos os idiomas, países, religiões e raças.
Antes de me decidir a continuar a escrever, cultivei as minhas dúvidas hamletianas, até que me decidi a experimentar de novo. Ocasionalmente, há dias, li em Tabucchi (Viagens e outras Viagens) um texto muito interessante: “Ao escrever imaginamos ser outro e viver uma vida diferente. E estar noutro lugar.” E, ainda: “A literatura – disse um poeta –  é a prova de que a vida não basta.”
  Encontrei nestes textos uma explicação porque desde aí, em treze meses, escrevi mais três livros, dois livros de contos e um romance. Tempo roubado à leitura e à exibição de filmes em casa.
 Mas, voltando a Tabucchi, sim, acho que quando escrevo viajo dentro de mim, ao meu passado, vivido ou desejado, ao encontro dos meus amigos e, especialmente, das mulheres que amei, das pessoas que estimei.
  Não que eu não viaje mais geograficamente, não que eu não continue a cultivar a amizade de alguns bons amigos, não que eu não mais ame intensamente, mas a recordação de uma vida já tão longa e tão cheia, como da que felizmente beneficiei, inunda-me e dá-me vontade de mergulhar de novo em mundos já longe, no tempo, no espaço, na realidade.
   Não tenho a veleidade de escrever, como Neruda, Confesso que Vivi, mas vivi também intensa e entusiasticamente. E amei muito, muito mesmo, mulheres, crianças, escritores, poetas, atores, atrizes e realizadores, cidades, pintores, músicos e compositores e, com persistência, os livros.
 Além de amar os livros passivamente, como leitor, amei-os e amo como editor. Abracei entusiasticamente a arte de editar, a faculdade de levar as mensagens, as ideias, o verbo e o verso, de outros autores até aos seus leitores. Posso garantir que sempre em obras bem cuidadas, no texto e na estética, como sempre foi o meu desígnio, o que, modéstia à parte, consegui.
Recordá-lo faz-me feliz, tentar agora continuar com uma nova editora será um bálsamo. Esta é  a razão de ter  criado agora a  «4 Estações-Editora»,  quatro anos depois de vender a «Vogais & Companhia».
Parafraseando  Pessoa: “Editar é preciso.”


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